Roberto
Pompeu de Toledo
(Artigo
de Opinião)
Cara Presidente,
Não foi a senhora que inventou essa
história de sediar a Copa do Mundo. Foi o Outro. Ele é que era, e continua
sendo, louco por futebol. Ele é que criou na cabeça um Brasil tão grande e
influente que terminaria com a crise do programa nuclear do Irã, arbitraria a
paz entre árabes e israelenses, ganharia um assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU e, para encerrar, como a última firula do artilheiro antes de
fazer o gol, sediaria o Mundial de 2014. A senhora, ao contrário, e mil
desculpas se for engano, aparenta se aborrecer mortalmente diante de uma
partida de futebol. Também não é crível, não cabe no seu perfil, que acredite
no mesmo Brasil fantasioso do Outro. Se deu a entender que sim, isso ocorreu
apenas no período eleitoral, em que, como no Carnaval, tudo é permitido.
“Falo, falo e não digo o essencial”,
escrevia Nelson Rodrigues. O essencial é o seguinte: por que não desistir? Não
seria a primeira vez. A Colômbia, escolhida para sediar a copa de 1986, jogou a
toalha três anos antes, e o torneio mudou para o México. O Brasil não vive a
mesma crise econômica nem as ameaças do terrorismo esquerdista e dos cartéis da
droga que atormentavam a Colômbia no período. Em contrapartida, temos colossais
problemas de infraestrutura de transportes e, se não enfrentamos crise
econômica, não nos sobra dinheiro para levantar estádios já nascidos com a
marca de elefantes brancos, como, com todo o respeito, os de Natal, Manaus e
Cuiabá.
Os aeroportos já são um caso
perdido, segundo estudo do Ipea, um órgão aí da sua cozinha.Nove, entre os
treze que servirão ao evento , de acordo com o estudo , não ficarão prontos a
tempo . Na semana passada, num gesto que soa a desespero, pois contraria um dogma
de seu partido, o governo abriu a possibilidade de privatização dos novos
terminais. Mesmo que seja para valer, não serão dispensadas, é claro, as concorrências,
os contratos, as licenças ambientais, sabe-se lá mais o quê. Mas suponhamos que
dê certo, e o prognóstico do Ipea não se confirme. Muito bem, o distinto
público consegue desembarcar nos aeroportos. Suponhamos que num dos aeroportos
paulistas. Novo desafio: como chegar à cidade? Não há trens, e as estradas
vivem congestionadas. Como este é um exercício de boa vontade, suponhamos mais
uma vez que consigam. Problema seguinte: como chegar ao estádio do Corinthians,
no bairro de Itaquera, o escolhido da Fifa? A linha de metrô que o serve está
saturada, e o tráfego nas avenidas com o mesmo destino é de fazer chorar. Mas
suponhamos, mais uma vez, que dê certo. Enfim, chegamos. Mas... aonde? A um
terreno baldio. O estádio do Corinthians não é mais que uma hipótese. Nem quem
vai pagá-lo se sabe.
“Falo, falo, e não digo o
essencial”. O essencial desta missiva, senhora presidente, é sugerir-lhe uma
estratégia. Se lhe parece humilhante desistir assim, na lata, a sugestão é a
seguinte: brigue com a Fifa. Enfrente-a. Como o mundo inteiro sabe, a Fifa não
é flor que se cheire. É uma entidade tão milionária, e tão abusada no uso de
seus poderes, quanto são milionários e abusados seus dirigentes. Pega bem
enfrentá-los. Brigue para que reduzam suas incontáveis exigências. Que aceitem
a reforma de estádios existentes em vez de pedirem tantos novos. Que assumam
parte das despesas. A Fifa está com a corda no pescoço tanto quanto a senhora.
Na melhor das hipóteses, eles romperão com o Brasil e partirão para uma
alternativa de emergência. A culpa não será da senhora, mas da arrogante
inflexibilidade que demonstraram. Na pior, que já é favorável, reduzirão as
exigências e arcarão com parte dos custos. A senhora já tem assunto demais com
que se preocupar. Precisa livrar-se desta, com permissão pela expressão,
herança maldita.
Em paralelo, e com cuidado, a
senhora trataria de reduzir o absurdo número de doze cidades-sede para os
jogos. A questão exige mais cuidado porque mexe com interesses locais e porque
aqui não foi a Fifa, foi ele, o Outro que assim quis. Com a mente intoxicada de
Brasil Grande e o olho nos dividendos eleitorais, ele quis agradar ao maior
número de gente possível. Agiu, na manipulação do futebol, como faziam os
governos militares. Na África do Sul as sedes foram nove; nos EUA, outro país
continental, também nove. Abater o número de sedes diminui despesas e poupa o
público do excesso de deslocamentos. Senhora presidente, ainda lhe sobra espaço
político para agir. Tal qual estão postas as coisas, as alternativas são
colapso absoluto, fiasco total ou fiasco parcial.
Revista
Veja, 4 de Maio, 2011.
ATIVIDADES DE COMPREENSÃO DO TEXTO:
1.
Quem
é o Outro e, o qual é a sua relação
com o assunto do texto?
2.
Qual
é a herança maldita a que o autor se
refere?
3.
A
expressão “Brasil fantasioso”, no texto, significa:
4.
Busque
o significado das seguintes palavras:
Firula-
Missiva-
Hipótese-
5.
Escreva
uma frase para cada uma das palavras do exercício anterior.
6.
Aponte argumentos a favor e contra a
realização da Copa no Brasil em 2014.
7.
Agora,
elabore uma carta argumentativa dando a sua opinião
acerca do assunto trabalhado.